"Havia um pequeno dado, jogado sobre a mesa. Ali, nada era certeza, tudo era interrogar. Mas pra minha surpresa, na forma de um colosso. Dado, meu pequeno Dado, jogado. Que Plínio, Dilma, Serra ou Marina, ajudem a mudar a cena de tantos dados jogados”.
Ao ouvir Marina Silva no debate entre os presidenciáveis, fui pesquisar a vida do garoto que a senadora homenageava. Descobri que o menino de 5 anos era mais um daqueles “dados jogados na rua”, que a gente vê pedindo esmolas. Aos 4 anos, o menino já dançava hip-hop para os irmãos passarem o chapéu. Era uma das principais fontes de sustento da família, que mora num dos mais marginalizados bairros de Recife.
Dado é um dos cem alunos da Escola Popular de Direito Constitucional, onde 60 crianças aprendem direitos e deveres. A escola é informal, funciona numa sala precária, com paredes sem reboco, telhado de zinco, numa rua onde falta esgoto, calçamento e água. A diretora é analfabeta, já foi traficante e catadora de materiais recicláveis. Perdeu um filho, dois irmãos e cinco maridos. Foi na casa dela que a escola começou. Na escola, mantida com doações, os meninos aprendem o que é a Constituição, estudam as leis e descobrem a cidadania. A idéia da escola surgiu no cemitério, durante um enterro de jovens assassinados no bairro.
Dado já sabe que “todos são iguais perante a lei”. A mãe, de 34 anos morava na rua, quando lhe roubaram o terceiro filho, enquanto ela dormia. Nunca mais achou o menino, que se estiver vivo, tem 12 anos. Dado é o penúltimo da prole de seis. O pai biológico era viciado em crack. Roubou uma carroça e foi queimado vivo enquanto dormia, em dezembro passado, aos 24 anos.
Minha cidade está cheia de Dados. Daqui a pouco, um deles, viaja comigo. Estaremos juntos na sede da Procuradoria de Justiça do Estado de Minas Gerais para participar do lançamento da Cartilha “Direitos do Morador de Rua”. Quero compartilhar aqui, um pouco da história do menino André, um “Dado de Passos”.
No ano 2001, organizamos os catadores de materiais de recicláveis para participar do 1º Encontro Nacional da População de Rua e dos Catadores em Brasília. O ônibus, lotado de catadores, estudantes e apoiadores saiu da pracinha perto da Igreja de São Francisco. Nos bancos, todos eram adultos. Entrando no Estado de Goiás, resolvi verificar como estava o pessoal e encontro o menino numa das poltronas. Ao questionar como ele entrara no ônibus, o danado respondeu sorrindo: “Estava escondido no banheiro”. Depois de uma bela bronca, seguimos viagem. Iniciado o Encontro em Brasília, chega o representante do Embaixador do UNICEF no Brasil, Renato Aragão, o Didi, escoltado por seguranças. Composta a Mesa, ao tirar uma foto, não conseguia acreditar no que via: no centro da mesa, lá estava André, ao lado do Renato Aragão, tão importante quanto todas as autoridades ali presentes.
De volta a Passos, no ano 2001, ao falar sobre o Encontro de Brasília, comentei com então prefeito na época, Dr. Hernani, sobre nossa responsabilidade sobre a vida daquele garoto. Não vou tecer detalhes sobre sua história, mas ela é muito parecida com a do Dado de Recife. Há alguns dias, o encontrei nas imediações da rodoviária velha em Passos e ele me contou que estava cursando o ProJovem e queria um lugar para morar. Falei sobre as condições exigidas na Casa Solidária: não beber nem usar drogas. O garoto topou na hora. André é um dado a menos nas ruas de Passos. Nossos dados precisam de oportunidades de acolhimento, tratamento, educação e saúde. Recolher dados e jogar estrelas de volta ao mar. Ações possíveis onde houver vontade política e solidariedade humana.
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