terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Águas de Janeiro


É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
   
As águas de janeiro devastaram a casa onde, no princípio dos anos 1970, o músico Tom Jobim  compôs a música “Águas de Março. Até agora, são 670 mortos, quase 14 mil desabrigados só na região serrana do Rio de Janeiro. A catástrofe chama a atenção do mundo inteiro por ter sido um fenômeno raro e avassalador que sequer deu chance às pessoas de se protegem, mas também denuncia a gravidade da  ocupação desordenada do solo urbano.  O cenário é dramático, uma guerra cujas armas foram sendo colocadas pelo próprio homem. 
    
A catástrofe na região serrana do Rio de Janeiro foi causada por um tipo de deslizamento considerado raro e avassalador por geólogos. Além do escorregamento de terra, a tragédia foi agravada por um fenômeno chamado de corrida de lama e detritos. É quando uma série de deslizamentos acontece ao mesmo tempo, no mesmo lugar, e tão rápido que praticamente impede que as pessoas se protejam. Trata-se da maior magnitude de escorregamento de terra possível. 
     
"É bom sempre frisar que a responsabilidade não deve ser creditada a fenômenos como o aquecimento global ou a imprevistos geológicos e pluviométricos. Tudo que tem acontecido está associado à desordenada ocupação urbana de áreas geologicamente inadequadas", disse Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). E aí todos tem culpa, quem ocupa e quem não fiscaliza.
     
No desespero, as pessoas tentam cavar a terra à unha para encontrar familiares. O país inteiro se mobiliza para ajudar e a solidariedade é une o país. Entre os twiteiros uma mensagem interessante: ”Não gaste telefone eliminando algum candidato do BBB nesta semana.Converta esse valor, doando para as pessoas que perderam tudo”. 
      
2011 traz para nós uma importante reflexão sobre o meio ambiente. Na minha cidade a chuva fina e mansa permite que as pessoas durmam tranquilamente e sonhem com um mundo melhor. São seis horas, da manhã. Na esquina da Padaria em Passos, vejo duas senhoras revirando contêineres de lixo, catando materiais recicláveis. Até quando nós, que integramos o Poder Público faremos de conta que estas cenas não existem? Até quando nós, sociedade continuaremos de braços cruzados? O nosso lixo é o luxo de muitas pessoas. Quase tudo o que vai para os aterros e traz danos ambientais, se separado, reciclado,  pode se tornar a sobrevivência salário, limpeza urbana e sobrevivência de muita gente.
    
No meio das águas que rolam, nem ricos nem pobres foram poupados. Condomínios de luxo e favelas. E Jobim cantou: “É o mistério profundo, é o queira ou não queira”. Lembrei de um trecho da Carta do Chefe Seatle, escrita em 1854 ao presidente dos Estados Unidos: “"De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará".  Creio que já não precisávamos mais de avisos. Que ouçamos o recado das águas de janeiro.

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